Coleção de Memórias
Fiquei a pensar quantos momentos passamos juntos. Quantas palavras, sorrisos e lágrimas trocamos. Quantos minutos, segundos deixamos escapar, sem darmos o devido interesse. A devida importância. Já se foram longos anos e no entanto parecem a mim, meses. Dias. Minutos, pois ainda posso me ver sentada naquele banco, a esperar-te. Ainda posso vê-lo, senti-lo, ouvir sua voz, como era àquela época. Porque hoje já mudou-se, transformou-se em som familiar. Posso ainda lembrar das pessoas ao nosso redor, indiferentes a nós. Posso ainda recordar-me do sol que brilhava, o vento tranqüilo a mexer as árvores de leve. Posso ainda hoje ouvir o som dos pássaros e dos carros a passar. Ainda vejo e lembro do brilho em seus olhos cor de mel. Porque ao ficar ali, sentada, um braço sobre a mesa, o outro sobre o colo, a ouvir-lhe atentamente, estava eu na verdade guardando tudo. Todos os sons e gestos e o seu olhar, porque já podia prever que me seria importante aquele momento, aquele minuto sagrado. E hoje, quando olho para trás, lembro quantos momentos como aquele eu perdi, deixei passar, sem dar-lhes a importância que mereciam. Quantas lágrimas e sorrisos, e quantos olhares seus que não guardei e hoje me fazem tanta falta. São minutos, segundos imperceptíveis para os demais, as vezes penso que até mesmo a você. Mas não a mim. Não podiam ser assim ignorados por mim. E eu os ignorei. Tantas vezes. Alguns deles, eu me lembrei de guardar. Um olhar de carinho, um olhar de volúpia, um olhar de respeito, um ou outro olhar de fúria. Alguns ainda me lembro com tanta nitidez, que posso vê-los agora, vivos. Ressurgidos de um passado querido. Porque mesmo as lembranças tristes me fazem bem. E tudo que é seu, me é bem vindo. Até mesmo as rudezas. E então posso deitar-me à noite e sentir você, seu olhar a aquecer-me, seu coração palpitando junto ao meu, como se realmente estivesse lá comigo. E está. E estas marcas, estes momentos que guardei, vez ou outra por estes anos, nunca se apagarão. E músicas infindas me transportam no tempo, a certos lugares, quartos, gramas, lençóis. E me inundam de amor e luz e já sou outra. Não mais sou aquela garota pouco tímida, sentada a esperar-te. Sou mulher a desejar-te, sou tua amante e confidente. Foram anos, longos ou não, transformaram-me. Transformaram-te. Já não somos como antes o fomos. Temos outros olhos, outras vozes. E talvez por isso eu me arrependa de ter deixado tantos momentos passarem sem gravá-los na memória. Os cheiros particulares, os gestos, os objetos, tudo enfim. Porque são-me todos sagrados. Tudo isso tornou-se tão importante e sagrado, que não quero perde-los nunca mais. Não quero mais deixá-los passar sem gravá-los no coração e mente. Não posso viver sem tê-los. Entendes agora? Porque me faço as vezes tão odiosamente dependente. Porque vivo tanto ao teu redor, esgueirando-me em momentos que desejas estar só, infiltrando-me em assuntos que não deveriam me pertencer? Porque tudo que lhe diz respeito, me é divino. Porque preciso de tudo que lhe faz volta.
{ Lyani } 18/12/2004
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