Ela tem medo de escuro
Roubei daqui
Pequenos trechos do livro que eu nunca escrevi
Ela tem medo de escuro”. Ele achou que tinha dito, mas a voz não saía. Era só um pensamento, um pensamento solitário. Talvez a única frase com nexo que tenha conseguido formular naquele dia. Tentou falar de novo: “ela tem medo de escuro”. Talvez se gritasse, se berrasse, conseguiria. “Ela tem medo de escuro!” e, finalmente, ouviu a sua voz. Mas só um fiapo, um murmúrio, uma oração. Repetiu mais uma vez, duas, três. Talvez ainda não tivesse conseguido falar, talvez fosse ficar mudo definitivamente, porque apesar de seus avisos, de suas súplicas repetidas, eles continuaram, sem pestanejar. Trancafiaram-na lá dentro e agora ele estava ali. Impotente, covarde, um mero espectador assistindo o corpo de alguém ser sepultado. Não era nem uma cova rasa. Era só uma gaveta, uma gaveta de cimento escura e sombria, o melhor que ele pôde pagar”
. Marcele Fernandes .