[2008] Blog Action Day – Pobreza

Ano passado eu perdi a data de postagem do Blog Action Day, mas prometi a mim mesma que este ano não iria esquecer. Cá estou, em frente ao computador pensando em que escrever sobre pobreza, tema deste ano. Quis muito escrever algum poema de fundo moral bem bonito, ou uma prosa que levasse as pessoas a pensar e quem sabe angariar alguns comentários elogiosos. Mas a única coisa que me veio a mente neste momento é que sou individualista, umbiguista, pessimista, melodramática e mesquinha.

Sim, tudo isso sim. Por ainda achar que falta de um pouco de dinheiro pra pagar aquela conta de roupas que fiz na loja é o fim do mundo. Por ficar desanimada com o que tem no armário pra comer num final de tarde. Por ficar emburrada pela falta de sol no final de semana ou feriado. Por achar que sofro demais num serviço que paga tudo que mais gosto. Por reclamar que tenho que lavar a louça ou arrumar a casa. Por achar que me falta tanta coisa, quando saio do mercado com o carrinho cheio de tudo que mais gosto e mais preciso para sobreviver. Mais do que isso: de tudo que preciso para VIVER bem.

Eu não sei o que é sobreviver. Eu não sei o que é passar tanta fome a ponto do estomago doer e dar vontade de chorar. Eu não sei o que é ouvir um filho pedir comida e dizer pra ele dormir que passa. Eu não sei o que é ter papelão sobre a cabeça em dias de chuvas torrenciais. Não sei o que é lutar por um pedaço de pão com uma pomba na rua. Não sei o que é ser obrigada a andar descalça e pedir esmolas. Não, eu não sei o que é nada disso e ainda assim acho que tudo que eu passo é muito, tudo que eu sofro é demais. Eu não sei de absolutamente nada.

E eu me pergunto o que faço para mudar essa situação? Escrevo? Sim, mas para curar minhas feridas e não as dos outros. Tiro algumas moedas do bolso e deixo em uma mão estendida qualquer? Mão esta que não tem nem rosto pra mim? Não ergo os olhos para ver. Ver dói, ver fere, ver envergonha. Rezo? Nem mesmo isso. Não o faço nem por mim (acho mesmo que precisava) quanto mais pelos outros. Por isso é que repito: individualista, umbiguista, mesquinha, melodramática e pessimista SIM.

Minha culpa. Se andam faltando sorrisos, esperanças, alegrias, purezas, sentimentos no mundo, a culpa é minha também. É muito minha por sequer abrir mão de um único sorriso, de uma única palavra, de um único olhar em direção dos que mais precisam. E não me orgulho.

Da morte de tudo, sofro por tão pouco
Fecho os olhos para não chorar
Estou tão sóbria

Lyani } 03/06/2000

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11 comentários sobre “[2008] Blog Action Day – Pobreza

  1. O mundo é assim Ly…não se martirize tanto…eu sei que não é legal, nem bonito e que não deveria ser normal….mas é…
    Não acha que o justo seria, pelo menos no Brasil, que os impostos que pagamos fizesse a nossa parte para a contribuição para que todas essas coisas ruins acabassem????
    Pense nisso…nós até fazemos uma parte…que está acima de nós é que não faz….

    Te Amo por ser quem é…e como é….

    Bjos

  2. Eu perdi esse dia! 😦
    Estou na correria!
    Mas concordo com tudo que vc disse. Vc conseguiu escrever sobre o tema de uma forma sensível, real… me emocionei ao ler! Quero continuar a pensar sobre isso, para não reclamar, para fazer alguma coisa, nem que seja dizer um bom dia e dar um sorriso a alguém que sente na pele a pobreza, o descaso.
    Sim quero ser capaz de fazer ao menos isso pq eu tb sou egoista, individualista… e quero tentar não ser cega. Pq na verdade, agimos como se fossemos cegos… para fugir, como se a pobreza não fosse nossa culpa. Mas é… temos culpa em tornar essas pessoas invisíveis frente aos nossos olhos! Me declaro culpada!
    Mas tb quero fazer parte da mudança!
    bjim,
    Ly… a imagem tb diz tudo o que vc escreveu no texto. Meu Deus como isso é possível? As crianças deviam ser poupadas…

  3. Ly, sempre penso que vai chegar um momento (e acho que não está longe) em que essa ferida social vai interferir diretamente na vida de todos nós.

    Já morei em lugares bem pobres (não que hoje more bem… rsrs) e sempre percebi que as pessoas ficam a cada dia menos tolerantes com isso, apesar de toda a máfia que trabalha para a alienação da classe dominada.

    A pobreza não é só deles! A pobreza mora aqui, ao nosso lado, e um dia invadirá nossos lares, sem bater na porta.

    Somos mesquinhos, sim, como você disse.

    Um abraço!

  4. Ly,
    Seu texto é tão verdadeiro. É mais fácil fechar os olhos, do que ver e sentir tanta dor. Se cada um fizesse só um pouquinho…

    Parabéns!

    Bjs

  5. Outro dia, a caminho de casa, dentro do metrô vi um senhor cair. Foi algo repentino e vi muitas pessoas indiferentes a situação dele. Uma senhora que estava ao meu lado deu de ombros e disse que nada poderia fazer, o celular dela não pegava ali dentro. Ela não se moveu, nem mesmo olhou a cena e fiquei com uma sensação muito estranha porque não olhamos para não ter que pensar em fazer algo e isso é tão sombrio, tão pouco humano.
    Mas enfim, acho que o mesmo ocorre quanto a pobreza existente no mundo, afinal, cobramos por coisas que não são nossas. A natureza nos fornece tanto e o que ela cobra de nós?

  6. Aqui aonde estou meus olhos não vêem essas grandes tristezas a não ser por televisão e por consciência de que existem por muitos lugares nesse mundo…Ontem mesmo vendo meus filhos sentados a mesa com um café coberto de delicias, olhando bem pra eles senti esse vazio de que existem muitos com tão pouco, agradeço todos os dias por poder dar aos meus filhos tudo de necessário mas sabendo que o mundo é mais que isso, que as crianças não tem culpa da pobreza de comida e alma que muitas vivem, hoje a luta esta em nossas mãos e a vitoria quem sabe nas mãos dessas crianças… Começando o dia com mais HUMANIDADE, se não podendo na pratica por falta de oportunidades, mas na consciência e no coração…

  7. Acho que é assim pra maioria das pessoas.
    Eu não tbm não olho, passo por cima… às vezes me dá vergonha disso… na maioria das vezes só consigo ver a minha própria dor.
    A criação de um dia assim, para a conscientização, é importante demais, é um começo… o que penso é que se pelo menos uma pessoa for tocada pela situação, já valeu a pena.

    Bjs

  8. Primeira vez que venho aquí, e gostei muito por ter visto muito Clarice Lispector, que é minha preferida.

    E devo comentar que seu texto foi loucamente realista, de doer. E se doeu foi por me sentir na mesma situação. E sentir que tenho uma pobreza miserável dentro de mim. Tenho tanto e faço tão pouco!

    Devo agradecer…hoje o texto não serviu só pra vc!

    Abraço

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