O Livro Vazio

O Amor é simplesmente o ridículo da Vida
. HM .

No centro da Sala Hexagonal da Biblioteca Nacional de Uqbar, há um labirinto. Sua saída leva a um jardim que se bifurca. À sua direita, uma sala de espelhos. À esquerda, uma estante de vidro.
Ali, em 24 de Agosto de 2099, encontrei um volume solitário com título esmaecido. Ilegível. Seu número de tombo N-0001. A única pista sobre seu autor, seu conteúdo, mais precisamente, sobre a falta de conteúdo era uma inscrição no frontispício, anotada pelo Bibliotecário-Cego, Francisco Isidoro:

Sentia mais alívio do que sucesso ao terminar mais um texto. Revisou. Guardou.
Chegara à marca de 168 páginas. Ao abrir para reler, a visão. Epifania do vazio. Nada havia escrito. Páginas, muitas delas, de nada. Procurou por algum defeito. Abriu o backup. No arquivo demiurgo, o mesmo nada. Não era vírus. Os demais arquivos seguiam intactos. Seu escrito, nada.
Escrevera um livro completo de nada. Enciclopédia da falta de assunto. Havia 44320 palavras lá. Nada escrito. Onipresente ausência de mensagem. 4209077 caracteres apareciam e juntos formavam um conjunto vazio. “Quanta gente por aí, fala, fala e não diz nada”. Ele havia se tornado a maior delas.
Certa vez, lembraram-lhe que “muitas palavras são ditas por que ainda não encontramos a única palavra que importa”. Então, escreveu mais e mais para encontrar a “tal palavra que importa”. Quanto mais escrevia, menos dizia. Não entendera. Não havia palavra que importasse. Nenhuma faltava. Toda palavra era sobra. Redundância do nada. Prolixidade da falta. Fastio do vazio. A palavra que importava era o silêncio. Calar das palavras que nada diziam.
Via agora. Ridículo. Sabia-se ridículo. Simplesmente Ridículo. Não! Complicadamente Ridículo. Pleonasmo do ridículo.
Tudo que escrevera era ridículo. Não. O Nada que escrevera que era ridículo. Só escrevera sobre nada. Toda palavra era bruma. Dissipada a névoa, nada existia. Decifrado o código, não havia mensagem. Máscara sem rosto. Garrafa de náufrago vazia.
Fechou o arquivo. Imprimiu, com as devidas capa e contracapa, as páginas de nada. Encadernou-as caprichosamente em brochuras transparentes. Arrumou um lugar na estante. Prateleira de escritos ridículos sobre o nada. Cheia. Registrou o número de tombo no arquivo da memória, na seção de sonhos esquecidos. Nas vizinhanças do setor dos rostos perdidos, dos nomes esquecidos. Dizem que lá segue devidamente depositada. Jaz em paz uma coletânea ridícula sobre o Nada.
O arquivo seguiu convertido e salvo. Ele, repetido e perdido na busca do Nada. Na falta de inteligência, resta seguir. Na falta do que dizer, repetir. Repeti-la. Repetir o Nada

Qualquer Um, Menos Aquele que Busca Aquela
do Tudo, Menos Aquilo