Um dia comum

Às vezes as pessoas dizem que tiveram ‘um dia comum’. Isso me deixa meio aborrecido, porque não existem dois dias iguais. E nós também não fazemos a menor idéia de quantos dias de vida ainda temos pela frente!

. Jostein Gaarder in Ei! Tem alguém aí? .

Por Medo do Desconhecido (Trecho)

Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois os olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor por essa vida mortal a assassinava docemente aos poucos. E o que é que se faz quando se fica feliz? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda que já está começando a me doer como uma angústia e como um grande silêncio? A quem dou minha felicidade que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, ela não queria ser feliz. Por medo de entrar num terreno desconhecido. Preferia a mediocridade de uma vida que ela conhecia. Depois procurou rir para disfarçar a terrível e fatal escolha. E pensou com falso ar de brincadeira: “Ser feliz? Deus dá nozes a quem não tem dentes.” Mas não conseguiu achar graça. Estava triste, pensativa. Ia voltar para a morte diária.

Clarice Lispector in Aprendendo a Viver

DL 2011: Morte de Tinta

TEMA: Literatura Infanto-Juvenil
MÊS: Janeiro


Livro:
Morte de Tinta
Autor(a): Cornélia Funke
Editora: Cia. das Letras
Páginas: 576

Nota: 5
(sendo: 1- Não gostei 2- Gostei pouco; 3- Gostei; 4- Gostei bastante; 5Adorei)

Cornélia Funke me conquistou completamente com a sua lindíssima trilogia Mundo de Tinta. É sempre difícil começar a resenha dos livros dessa coleção. São tantas coisas para comentar que se torna difícil saber por onde começar. Fico sempre perdida entre falar sobre a narrativa envolvente, os detalhes caprichosos, a imaginação privilegiada na construção de ótimos personagens e cenários deslumbrantes ou por fim do desenrolar da própria história.

Começo então por contar um pouco sobre o que Morte de Tinta nos relata. Neste último livro da trilogia (será que vai ficar só na trilogia mesmo?), muitas aventuras nos envolvem durante a leitura dos capítulos caprichosamente separados por Cornélia. Mortimer, que até então era apenas um encadernador, assume a personalidade de Gaio, uma espécie de Robin Hood criado por Fenóglio nas canções que escrevia para o povo colorido. Mô, como é chamado sempre por sua filha, tem que lutar não apenas contra os vilões da história, como também contra o próprio personagem que interpreta, pois começa a se confundir com ele e se esquecer quem é no mundo real.

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O verbo no infinito

 

Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…

. Vinícius de Moraes in Para Viver um Grande Amor .

Caso grave e incurável

Pra mim é difícil falar simplesmente de gosto pelos livros, porque em matéria de livros meu caso é muito mais grave: é um amor que vem desde a infância, que me tem acompanhado a vida inteira, e ainda acima disto, é incurável”.

. José Mindlin in A Paixão pelos Livros .

DL 2011: Sangue de Tinta

TEMA: Literatura Infanto-Juvenil
MÊS: Janeiro


Livro:
Sangue de Tinta
Autor(a): Cornélia Funke
Editora: Cia. das Letras
Páginas: 560

Nota: 5
(sendo: 1- Não gostei 2- Gostei pouco; 3- Gostei; 4- Gostei bastante; 5 Adorei)

Mais uma vez sinto dificuldades para começar a resenha. São tantas coisas a dizer sobre esse livro que fica difícil saber por onde começar. Sangue de Tinta é a seqüência de Coração de Tinta e assim como ele, uma obra cheia de magia, encantamento e muitas palavras. Palavras que condenam, palavras que salvam, palavras perigosas e preciosas ao mesmo tempo. O que me encanta em toda essa história é como ela nos passa a importância das palavras, da tinta no papel, dos livros que carregam consigo conhecimentos redentores ou terríveis. E tratar desse assunto, ainda mais com o capricho e magia de Cornélia Funke, para uma bibliotecária é como dar doce para criança. Estou simplesmente apaixonada.

Neste segundo livro a história consegue ficar mais emocionante ainda. Acho tão difícil numa trilogia ou em séries mais longas os próximos livros superarem o primeiro, que fico encantada quando isso acontece. E realmente aconteceu com Sangue de Tinta, onde a história continua num encantamento sem fim. Dedo Empoeirado finalmente consegue encontrar um leitor que o envia de volta ao Mundo de Tinta, mas deixa Farid e Gwin, sua marta, para trás. Farid, inconformado de não ter conseguido ir junto de Dedo Empoeirado, vai atrás de Meggie e Mo para que eles o mandem para lá também.

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Danos Irreversíveis

Certas pessoas, no afã de querer construir um mundo em que nenhuma ameaça externa possa penetrar, aumentam exageradamente suas defesas contra o exterior – gente estranha, novos lugares, experiências diferentes – e deixam o interior desguarnecido. É a partir daí que a amargura começa a causar danos irreversíveis”

. Paulo Coelho in Veronika Decide Morrer .

Retrospectiva Literária 2010

  • O livro infanto-juvenil que mais gostei: Coração de Tinta – Cornelia Funke

O livro tem tudo que eu gosto: fala de livros, tem uma personagem colecionadora de livros que é tudo que eu quero ser quando crescer (rs), o pai da mocinha é um restaurador de livros que é o meu sonho de profissão depois de ser bibliotecária, tem citações lindas nos inícios dos capítulos e eu sou apaixonada por citações e por fim uma história envolvente cheia de mistérios, magia e uma pitada de acontecimentos trágicos que na minha opinião torna a história mais verdadeira. Fantástico.

  • A aventura que me tirou o fôlego: Battle Royale – Koushun Takami, Masayuki Taguchi

Não é um livro e sim um Mangá, mas resolvi colocar mesmo assim pois essa leitura é de tirar o fôlego literalmente. É engraçado, porque a história é absurda e chocante, mas é simplesmente impossível de parar de ler. Fiquei impressionada com a maneira crua como os autores conseguiram demonstrar tantas facetas do caráter humano nessa história. Eu ainda me choco ao constatar até onde certas pessoas são capazes de chegar em momentos de crise. E ainda assim, no meio de tanto horror, foi possível manter em algumas personagens, os valores importantes e a esperança inabalável naquilo que é certo.

  • O terror que me deixou sem dormir: A menina que não sabia ler – John Harding

Não é um livro de terror, eu sei. Mas como não li nenhum desse gênero este ano, resolvi colocar este pois apesar de não ser terror, é um suspense que causa certo receio e até mesmo medo em alguns momentos. O final do livro é simplesmente chocante e até hoje me é difícil acreditar. Apesar de deixar algumas dúvidas não solucionadas, é um ótimo livro de mistério e suspense que vale a pena ser lido.

  • O suspense mais eletrizante: O símbolo Perdido – Dan Brown

Dan Brown foi mestre em sua narrativa dinâmica e incessante que tornava difícil deixar este livro de lado quando era necessário. Em vários momentos me vi ofegando como se os fatos estivessem acontecendo comigo e isso eu admiro demais em um autor: que ele faça você entrar na história, sentir o que as personagens sentem. Realmente eletrizante.

  • O romance que me fez suspirar: Orgulho e Preconceito – Jane Austen

Jane Austen foi ótima na narração deste romance. Quem é que ao lê-lo não se apaixonou por Mr. Darcy? Duvido. Eu suspirei e torci pelo casal durante toda a leitura. Apaixonante.

  • A saga que me conquistou: As Crônicas de Artur – Bernard Cornwell

Cornwell me conquistou no segundo livro desta trilogia impecavelmente narrada. Não me conquistou logo no primeiro livro, por um motivo: eu ansiava pelo romance e beleza que sempre imaginei na história de Rei Artur e imaginava feitos grandes para personagens como Morgana e Lancelot e ficava esperando flores onde as paisagens só podiam ser áridas, como a realidade: nua e crua. Cornwell, pelo que pude notar na leitura foi o mais fiel possível aos fatos históricos da época e embasou sua pesquisa em recentes descobertas arqueológicas deste imortal personagem, o que deixa tudo ainda mais interessante. A partir do segundo livro, passei a aceitar melhor a narrativa árida e daí pra frente fui conquistada pela saga.

  • O clássico que me marcou: Grandes Esperanças – Charles Dickens

Não é a toa que é um clássico da literatura mundial. Logo de início se é conquistado pelo narrador e principal protagonista dessa história: Pip. Quando digo de início, quero dizer logo nas primeiras linhas mesmo. Pip é encantandor, e sua linguagem tem o apelo da ingenuidade da criança que torna impossível não criar uma ligação com ele. E acho que começa daí o encanto dessa obra. Grandes Esperanças é uma história cheia “disso que chamamos de ‘minha vida'”, como diria Caio F. Abreu. Tristeza, horrores, medo, insegurança, culpa e principalmente “grandes esperanças”. Uma obra realmente fantástica, embora eu tenha que confessar que achei alguns capítulos cansativos e com informações irrelevantes ao contexto da história, mas é raro quando isso acontece e no todo a leitura é bastante prazerosa e flui com facilidade.

  • O livro que me fez refletir: Pequena Abelha – Chris Cleave

Pequena Abelha é de tirar o fôlego e o sossego. Não tem como você ler essa história e não se sentir um pouco incomodada com a realidade de que lá fora no mundo pessoas estão sofrendo, morrendo, passando por horrores enquanto nossa única reação é dizer “que horror” em frente ao noticíario tomando uma chá, ou café, ou qualquer coisa. A maneira especial com que o autor narra a história é totalmente envolvente e apaixonante. Demorei pra ler por pura falta de tempo, pois é o tipo de livro que você devora inteiro, sem conseguir largar.

  • O livro que me fez rir: O Xangô de Baker Street – Jô Soares

A história é super criativa e muito bem embasada por Jô, que fala com propriedade sobre o Rio de Janeiro e diversas culturas nacionais. A narrativa é atraente e engraçada, as situações cômicas e muito bem desenvolvidas. Confesso que só não gostei mais porque sou fã de Sherlock Holmes e em muitos momentos não me senti bem ao ler as sátiras acerca de sua pessoa. De qualquer forma, dei boas risadas e é uma leitura bastante agradável.

  • O livro que me fez chorar: A Princesa Leal – Philippa Gregory

Esse romance é fantástico. Conta com graça e perfeição a história emocionante de Catarina de Aragão (em minha opnião a verdadeira Rainha da Inglaterra apesar de tudo que lhe aconteceu depois). Neste livro podemos entender tudo que precedeu ao grande escândalo que foi a corte dos Tudors, e entender a história de Catarina desde quando era apenas uma criança e já acompanhava seus pais nas cruzadas pela Espanha. Catarina sofreu muito desde pequena para lutar por seu lugar ao lado do Rei da Inglaterra. Lutou com determinação, vivacidade e orgulho, apesar de tudo que lhe foi feito. Respeito e admiro sua coragem, seu amor, sua força que não a deixaram esmorecer nem mesmo quando tudo estava perdido.

  • O melhor livro de fantasia: As Crônicas de Nárnia – C. S. Lewis

As histórias de Nárnia são encantadoras e mágicas. “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa” é au concours na minha opnião. História maravilhosa, ricamente descrita por Lewis. Intensa e Apaixonante como bem mostrado no filme. É a minha favorita. Das demais, gostei muito também de “A Viagem do Peregrino da Alvorada” e “O Cavalo e seu Menino” que prende a atenção do início ao fim.

  • O livro que me decepcionou: Sex and The City – Candace Bushnell

De verdade: não gostei. O seriado e o filme são muito superiores ao livro. Achei a escrita difícil, truncada e sem atrativos. Tive dificuldades de ir até o final.

  • O(a) personagem do ano: Lisbeth Salander – Trilogia Millenium

Uma heroína totalmente fora do comum. Heroína? Eu considero que sim, afinal ela salva a vida do Super-Blomkvist no primeiro livro da saga, além de cuidar de pôr em seu devido lugar os “bandidos” da história. Simplesmente A-D-O-R-O Lisbeth Salander. Uma personagem muito bem construída envolta de histórias macabras que te surpreendem pelo grau de realidade. A verdade nua e crua. Sou ultra-fã.

  • O(a) autor(a) revelação: Paolo Giordano

Confesso: comprei o livro “A solidão dos Números Primos” deste autor pelo título que achei lindo! Não sabia nada da história e sequer tinha lido algo a respeito, como geralmente faço antes de comprar. E muito menos tinha ouvido falar algo sobre esse autor. Comprei por impulso e fico feliz de o ter feito. É um livro intenso e doloroso, de leitura simples e rápida. Como um corte na pele, que incomoda no início e deixa uma cicatriz de lembrança pelo resto da vida. Grande parte do encantamento desse livro vem do modo maravilhoso como Giordano descreve os sentimentos das personagens. É muito poética a forma como ele fala da inadequação dos dois jovens ao mundo “normal” e “perfeito”, seus conflitos internos, seus problemas, seus traumas infantis, suas dificuldades, os encontros e desencontros. Giordano foi o autor revelação deste ano pra mim, pois fiquei apaixonada por sua forma de escrita.

  • O melhor livro nacional: Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto

Não foi o melhor que li, confesso. Li outros que gostei mais como “Antologia poética” do Vinícius de Moraes e “Aprendendo a Viver” da Clarice Lispector. Mas como gostei muito desse livro e foi uma surpresa pra mim a forma simples da narrativa de Lima Barreto, achei interessante colocar ele como destaque. Um livro ótimo da nossa literatura nacional.

  • O melhor livro que li em 2010: A Menina que Brincava com Fogo – Stieg Larsson

Uma narração perspicaz, detalhista, perfeita que te leva a entrar na história. Me suspreendi, prendi a respiração, sofri e ri em diversos momentos. Achei esse livro realmente sensacional! Uma história madura e alucinante que aborda diversos problemas sociais e realmente prende a sua atenção com personagens tão vivos e reais que parecem sair das páginas. Perfeito. Fantástico.