29.09 – 103 anos sem Machado de Assis

Voltei-me para ela; Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo, devagar, e ficamos a olhar um para o outro… Confissão de crianças, tu valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não falamos nada; o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas as quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto. Devia tê-la marcado; sinto falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o adolescente. Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar”.

. Machado de Assis in Dom Casmurro .

DL 2011: Não verás país nenhum

TEMA: Autores Regionais
MÊS: Setembro


Livro:
Não Verás País Nenhum
Autor(a): Ignácio de Loyola Brandão
Editora: Global
Páginas: 381

Nota: 5
(sendo: 1- Não gostei 2- Gostei pouco; 3- Gostei; 4- Gostei bastante; 5Adorei)

Angustiante. Impactante. Assustador. São algumas das palavras com as quais eu descrevo essa leitura que me surpreendeu do início ao fim. Este é o primeiro livro de Ignácio de Loyola Brandão que leio e com certeza não será o último. Gostei muito da história e de sua narrativa desenvolta que nos envolve na leitura e torna impossível não querer ir até o final, mesmo que este final pareça horripilante.

O autor nos leva a um futuro terrível e apocalíptico onde bebe-se com naturalidade água reciclada de urina pois os rios secaram e a água do mar está tão poluída que é impossível até mesmo encostar nela; onde visita-se um museu com águas engarrafadas do passado destruído e é possível ouvir o som das cachoeiras já inexistentes e o canto dos pássaros já disimados; onde fez-se uma cerimônia para o corte da última árvore do Brasil, aplaudida e filmada como algo magnífico e onde se luta por um cartão de água e comida e por viver o mais dignamente possível debaixo de um sol escaldante que arranca a pele e deixa as pessoas loucas.
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O que acontece com as crianças

Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantanção. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de história (e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjeitivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se essas crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?

Mario Quintana in 80 Anos de Poesia

Aparentemente simples

Para eliminar o sofrimento, elimina-se a memória. Uma cirurgia aparentemente simples, única solução. Só que eu não consigo, tudo é vivo dentro de mim”.

. Ignácio de Loyola Brandão in Não verás país nenhum .

Um grande livro

A humanidade, como um todo, forma um grande livro.
Quando um homem morre, um capítulo não é arrancado
e sim traduzido para um idioma melhor.

E cada capítulo deve assim ser traduzido.
Deus emprega vários tradutores.
Alguns trechos são traduzidos pela idade…
outros, pela doença…
alguns, pela guerra.
Mas a mão de Deus reúne todas as folhas soltas…
e as coloca naquela Biblioteca
em que os livros se abrem uns para os outros”.

. John Donne* .

*Trecho copiado  do filme “Nunca te Vi, Sempre te Amei”

Um-outro

Cada um é um…
Cada outro é outro…
Sofrer é um querer ser o outro.
Impossível é que o outro seja um…
Ninguém transforma ninguém.

Compreendendo-se as diferenças entre um e outro,
Forma-se a identidade um-outro
Um carrega dentro de si o outro,
Enquanto o outro leva um dentro de si.

Assim, um-outro é mais saudável para resolver qualquer sofrimento
Porque não existe vida sem dor.
Um-outro é a multiplicação do amor dos dois.
Porque o amor ajuda a superar a dor.
Um-outro amplifica a alegria e o bom humor
Porque a felicidade ilumina o triunfo da sabedoria”.

. Içami Tiba in Homem Cobra, Mulher Polvo .

Explicação

Não importa qual fosse o livro que eu estivesse lendo, adquiri o hábito de anotar por escrito sentenças isoladas ou passagens curtas que me parecessem dignas de atenção. Fazia isso tendo em vista o meu próprio uso ou para simples desfrute, como dizem os advogados, sem intenção alguma de publicar. Até que mais recentemente me ocorreu que pelo menos uma parte dessas citações — já na casa dos milhares — poderia despertar o interesse de outras pessoas. Daí este livro”.

. Viscount Samuel (1947) in O livro das Citações .

Faço das palavras dele, minhas palavras. Mudaria apenas o final da citação para: “Daí este blog”. =)

QUALQUER COISA (Pequena história de amor)

Ele vai dormir no sofá.
Não porque brigou com ela, não porque se afastou, não porque estão ressentidos.
Não houve desentendimento, princípio de discussão, mentira naquela noite.
Ele vai dormir no sofá por escolha.
Por decisão.
Vai dormir no sofá porque ela não estará em casa.
Quando ela viaja, ele pega seu travesseiro, sua coberta e deita na sala. Liga a tevê e se distrai da solidão.
Tudo o que servia em sua época de solteiro agora o aborrece. Não partirá para festa, beber com amigos ou jogar futebol.
Antes bastava a namorada sair e ele se via livre, louco para rua.
Hoje a mulher sai e ele se vê abandonado.
Liga o som e faz-de-conta que ela está tomando banho.
Como um cachorro, fica mais perto da porta. Como uma criança, fica mais perto da janela.
Não suporta a cama de casal. Não agüenta girar o corpo sem encontrá-la.
Pega um vestido dela no cabide, ameaça cheirar e recua. Conclui que isso já é doença. Mas cheira. Cheira com a vaidade da doença.
Por alguns momentos, tenta imaginar como dormia sozinho na adolescência. Pressiona os olhos com a contundência dos ouvidos. Fracassa. Depois de viver, imaginar é mais difícil.
Ele depende do corpo dela para ler de noite. A luz do abajur é muito fraca, mortiça.
Pisa no quarto para buscar as roupas. O quarto é uma despensa durante os dias da ausência.
Ele acampa em seu apartamento. Muda os hábitos, come qualquer coisa, bebe qualquer coisa, telefona qualquer coisa, trabalha qualquer coisa.
Qualquer coisa é sua vida nas próximas horas.
Ele acreditava que a conhecia. Isso quando a pediu em casamento.
Ele só não esperava não se conhecer depois dela.
Casou com ela com toda a clareza.
E casou consigo no escuro.
Tudo o que conheceu dela desconheceu de si.
Liberou memória na personalidade.
Percebeu que os limites não são os mesmos. Os limites trocam de idéia.
Sua mulher tem limites diferentes hoje de ontem de amanhã.
Não se repetem.
O limite do cansaço. O limite da voz. O limite da brincadeira. O limite da provocação. O limite da paciência. O limite da conversa. O limite dos filhos. O limite do prazer. O limite da educação. O limite do trabalho. O limite do silêncio. O limite do amor.
Assim que ele aprende os limites dela, ela muda os limites.
Não é gozação. Ela não age por mal.
Foi ele que a ajudou a superar os limites.

Fabricio Carpinejar

DL 2011: Olhai os Lírios do Campo

TEMA: Literatura Brasileira
MÊS: Agosto


Livro:
Olhai os Lírios do Campo
Autor(a): Erico Verissimo
Editora: Globo
Páginas: 322

Nota: 4
(sendo: 1- Não gostei 2- Gostei pouco; 3- Gostei; 4- Gostei bastante; 5Adorei)

 

Este é o primeiro livro que li de Erico Verissimo. Confesso não ser muito fã de literatura nacional e por isso ainda desconheço muitos autores consagrados de nosso país. O que posso dizer é que gostei muito da narrativa de Erico e em muitos momentos até me esqueci que estava lendo umlivro nacional. De alguma forma (e talvez alguns me achem louca por pensar isso), Olhai os Lírios do Campo me lembrou do livro A insustentável Leveza do Ser, no sentido de nos fazer refletir sobre os diversos aspectos da natureza humana.

O título do livro foi o que me chamou mais atenção. É lindo e poético e bem no fim do livro fica claro a escolha do autor. “Considerai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem e no entanto nem Salomão em toda a sua glória se cobriu como um deles”.  É a procura pelo que é verdadeiramente essencial na vida. A história gira em torno de Eugênio fontes, uma pessoa infeliz e marcada por experiências humilhantes de uma infância pobre. Eugênio cria um complexo de inferioridade que o acompanha por grande parte de sua vida. Uma das cenas mais marcantes do livro pra mim é quando Eugenio já na faculdade de Medicina e ao redor com alguns amigos, encontra seu pai, o pobre Ângelo:

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