Uma Invenção

O apartamento me reflete. […]Talvez. Como eu, o apartamento tem penumbras e luzes úmidas, nada aqui é brusco; um aposento precede e promete o outro. […]Como se ama a uma idéia. A espirituosa elegância de minha casa vem de que tudo aqui está entre aspas. Por honestidade com uma verdadeira autoria, eu cito o mundo, eu o citava, já que ele não era nem eu nem meu. A beleza, como a todo o mundo, uma certa beleza era o meu objetivo? eu vivia em beleza?

Quanto a mim mesma, sem mentir nem ser verdadeira “como naquele momento em que ontem de manhã estava sentada à mesa do café”, quanto a mim mesma, sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim. De algum modo “como se não fosse eu” era mais amplo do que “se fosse”. Uma inexistente me possuía toda e me ocupava como uma invenção. Somente na fotografia, ao revelar-se o negativo, revelava-se algo que, inalcançado por mim, era alcançado pelo instantâneo: ao revelar-se o negativo também se revelava a minha presença de ectoplasma. Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência?

Clarice Lispector in A Paixão Segundo G. H.

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