COLUNA “Entre Aspas”

Jornal Tribuna Liberal de Sumaré pag. 12

Dica de Leitura: Não Me Abandone Jamais – Kazuo Ishiguro

NUNCA MAIS ESQUECI!

“Quando a vi dançando aquele dia, enxerguei uma outra coisa. Enxerguei um novo mundo chegando muito rápido. Mais científico, mais eficiente, é verdade. Mais cura para as velhas doenças. Muito bem. Mas um mundo duro, um mundo cruel. E vi uma menina novinha, de olhos bem fechados segurando no colo o mundo antigo e bom de antes, o mundo que ela sabia, lá no fundo, que não poderia continuar existindo, e ela segurando esse mundo no colo e pedindo pra ele não deixá-la partir… Aquela cena me partiu o coração. Nunca mais esqueci”.

Eu vi o filme primeiro. Em 2010. Assim que foi lançado. Lembro de ter ficado olhando para a parede a minha frente uns bons minutos depois que o filme acabou sem saber o que fazer. Sem saber como é que se vive depois daquilo, de verdade. Uma cena específica do filme, acabou comigo e juro que não é spoiler, pode ler: estrada vazia, faróis ligados, Tommy desce do carro vai até a frente dos faróis e começa a berrar e berrar até que cai no chão e Kathy desce do carro e o abraça. Foi aí, nesse ponto que eu perdi minha alma. Eu sei que está parecendo dramático, mas é. É mesmo. O assunto é sério, é dramático, é atual e distópico ao mesmo tempo. Ele traz à tona muitos questionamentos e reflexões. E medos. O filme abriu um buraco que eu tinha que preencher com a leitura do livro que ainda não tinha no Brasil. Mas eu PRECISAVA DELE.

“Não consigo parar de pensar nesse rio, não sei onde, cujas águas se movem com uma velocidade impressionante. E nas duas pessoas dentro da água, tentando se segurar uma na outra, se agarrando o máximo que podem, mas no fim não dá mais. A corrente é muito forte. Eles precisam se soltar, se separar. É assim que eu acho que acontece com a gente. É uma pena, Kath, porque nós nos amamos a vida toda. Mas, no fim, não deu para ficarmos juntos para sempre.”

Quando finalmente consegui ler, me apaixonei ainda mais pelo tema e pela história. Se eu já tinha gostado do filme, o livro era (que surpresa, né gente? rs) ainda melhor. A escrita de Kazuo é delicada e começa tão branda, tão tranquila, como se fosse um diário de memórias de Kathy H. e você vai se apaixonando por ela, pela forma como ela vai se lembrando dos dias no instituto, da amizade, de Tommy, das relações, dos professores, das sensações. É como uma amiga que você faz ao longo da leitura, que te dá a mão e vai te levando por um passeio tranquilo e você vai se deixando levar.

Ao longo da leitura aparecem algumas palavras como doador, cuidadora e você fica se perguntando o que seriam exatamente essas coisas, mas a verdade chega de mansinho e acho que é isso que impacta ainda mais. Você não está preparado pra verdade quando ela chega. E é um soco no estômago, como diria tão bem Clarice Lispector (sobre outro assunto, mas cabe bem aqui).

“Certeza de que estão apaixonados? E como é que você sabe disso? Então acha que o amor é coisa assim tão simples?”

Quando você descobre o que é ser um doador, uma cuidadora, já é tarde demais. Você se envolveu tanto na narrativa, com os personagens, que não tem mais jeito de voltar atrás. E a agonia também é sua, aliás, mais sua. A apatia geral te dá desespero e você se vê querendo entrar lá e chacoalhar aquele mundo de pessoas que no fundo não querem ser chacoalhadas, que aceitaram de uma forma ou de outra um sistema tão bem amarrado, tão bem planejado que não há uma forma de escapar… Nem vontade.

Eu sei que o que estou escrevendo parece confuso, mas não posso escrever mais que isso sem sem estragar a experiência literária de quem for ler esse livro pela primeira vez. É, falando bem basicamente, uma história de amor e perdas, com um plano de fundo digno de uma ficção científica e uma distopia capaz de remexer com tudo dentro de você! A narrativa é misteriosa, você sente que algo precisa e vai ser revelado, mas nada te prepara o suficiente para a verdade.

“É como passar diante de um espelho pelo qual passamos todos os dias de nossas vidas e de repente perceber que ele reflete outra coisa, uma coisa estranha e perturbadora.”

Os próprios protagonistas só entendem completamente o que lhes acontece quando não há mais como voltar atrás. Qual o motivo de viverem no internato? Como foram escolhidos pra isso? O que o futuro guarda pra eles? Tudo isso vai ser respondido na narrativa extremamente bem construída de Ishiguro até a ultima página.

Fico na esperança de passar pra vocês o quanto esse livro me tocou, como pessoa. As sensações e reflexões que ele me trouxe como ser humano. O quanto isso não é tão distante de realidades que já vivenciamos em nosso planeta de outras formas, mas que estão aí e não enxergamos. Também estamos apáticos. E como eu adoro esse tipo de livro/filme que nos tira da zona de conforto e balança tudo que a gente tem por dentro!

“Porque em algum lugar, lá no fundo, uma parte de nós permaneceu igual: receosos do mundo em volta e — por mais que nos envergonhássemos disso — incapazes de deixar o outro partir de uma vez por todas.”

SUPER recomendo a leitura!

Vou ficar muito feliz se me escreverem contando o que acharam da leitura!! E se por acaso quiserem alguma leitura específica, podem me pedir pelo email!! Boa semana e ótimas leituras!!

EVELYN RUANI
Bibliotecária e leitora compulsiva! Apaixonada por livros e palavras.
SERVIÇO
Blog: http://blogentreaspas.com
Instagram: @blog_entreaspas
Email: entreaspasb@gmail.com


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