Resenha: Cada Homem é uma Raça

Livro: Cada Homem é uma Raça
Autora: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 200
Nota: 4,5
(1.Não gostei 2.Gostei pouco; 3.Gostei;
 4.Gostei bastante; 5.Adorei)

Mia Couto entrou pro hall dos autores que eu leria até a lista de compras se vazasse na internet!! É impossível não se apaixonar pela narrativa poética do autor, que traz assuntos tão profundos e situações terríveis com tanta sensibilidade que te faz capaz de encarar aquilo e portanto refletir a respeito, o que, de fato é o essencial numa experiência literária para mim.

Neste livro de contos, que me chamou atenção pelo título, Mia nos apresenta, em onze histórias, a um caleidoscópio de personagens multicoloridos e extraordinários. Já no primeiro conto, com a história de Rosa Caramela, uma senhora corcunda que é apaixonada por estátuas de pedras e cuja loucura e tristeza não se sabe a procedência, nos traga através da sua prosa poética inconfundível e não há retorno.

Conto após conto, somos reduzidos a meros espectadores vidrados em cada detalhe da vida que se mostra com uma sensibilidade que traz lágrimas aos olhos, sorriso aos lábios e profunda reflexão. As temáticas misturam realidade e universo mágico e são de uma beleza singular!

“História de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente. Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos e transmutáveis homens”.

Dizer mais o que? Recomendo muitíssimo a leitura!

Longe de nós

“Vivemos longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-nos. Porque nos preferimos nessa escuridão interior? Talvez porque o escuro junta as coisas, costura os fios do disperso. No aconchego da noite, o impossível ganha a suposição do visível. Nessa ilusão descansam os nossos fantasmas”.

. Mia Couto in Cada Homem é uma Raça .

Desembrulhar lembranças

Agora, quando desembrulho minhas lembranças, eu aprendo meus muitos idiomas. Nem assim me entendo. Porque enquanto me descubro, eu mesmo me anoiteço, fosse haver coisas só visíveis em plena cegueira.

Nasci de ninguém, fui eu que me gravidei. Meus pais negaram a herança das suas vidas. Ainda sujo dos sangues me deixaram no mundo. Não me quiseram ver transitando de bicho para menino, ranhando babas, magro até na tosse.

. Mia Couto in Cada Homem é uma Raça .

Ainda nascente

“História de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente. Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos e transmutáveis homens”.

. Mia Couto in Cada Homem é uma Raça .

Provérbio Macúa

“O barco de cada um está em seu próprio peito”
(Provérbio Macúa)

. Mia Couto in Cada Homem é uma Raça .

Fui sabendo de mim

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdi
a

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

. Mia Couto in Poemas Escolhidos .

Terra perpétua

Afinal, nasci num tempo em que o tempo não acontece. A vida, amigos, já não me admite. Estou condenado a uma terra perpétua, como a baleia que esfalece na praia. Se um dia me arriscar num outro lugar, hei-de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim”.

. Mia Couto in Terra Sonâmbula .

Estávamos cegos…

A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios da nossa alma. De dia, já não saíamos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos”.

. Mia Couto in Terra Sonâmbula .

Deriva

Minha alma era um rio parado, nenhum vento me enluava a vela dos meus sonhos. […] me derivo sozinho, órfão como uma onda, irmão das coisas sem nome”.

. Mia Couto in Terra Sonâmbula .

Eleger

A palavra ‘ler’ vem do latim ‘legere’ e queria dizer ‘escolher’. Era isso que faziam os antigos romanos quando, por exemplo, selecionavam entre os grãos de cereais. A raiz etimológica está bem patente no nosso termo ‘eleger’. Ora o drama é que hoje estamos deixando de escolher. Estamos deixando de ler no sentido da raiz da palavra. Cada vez mais somos escolhidos, cada vez mais somos objecto de apelos que nos convertem em números, em estatísticas de mercado”.

. Mia Couto in E se o Obama fosse Africano? .

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