As rochas que te viram são negras, entre espumas finas; sobre elas giram lisas gaivotas delicadas, e ao longe as águas verdes revolvem seus jardins de vidro.
Não te acabarás, Evelyn.
Guardei o vento que tocava a harpa dos teus cabelos verticais, e teus olhos estão aqui, e são conchas brancas, docemente fechados, como se vê nas estátuas.
Guardei teu lábio de coral róseo e teus dedos de coral branco. E estás para sempre, como naquele dia, comendo, vagarosa, fibras elásticas de crustáceos, mirando a tarde e o silêncio e a espuma que te orvalhava os pés.
Não te acabarás, Evelyn.
Eu te farei aparecer entre as escarpas, sereia serena, e os que te viram procurarão por ti que eras tão bela e nem falaste.
Evelyn! – disseram-me, apontando-te entre as barcas. E eras igual a meu destino:
Evelyn – entre a água e o céu. Evelyn – entre a água e a terra. Evelyn – sozinha – entre os homens e Deus.”
. Cecília Meirelesin Mar Absoluto, Retrato Natural .
O que tu viste amargo, Doloroso, Difícil, O que tu viste inútil Foi o que viram os teus olhos humanos. Esquecidos… Enganados… No momento da tua renúncia Estende sobre a vida Os teus olhos E tu verás o que vias: Mas tu verás melhor…”
Confesso, com certa vergonha, que tinha me esquecido de como Cecília Meireles é maravilhosa. Há muitos anos não lia nada dela, e acabei por negligenciar uma leitura simplesmente encantadora. Conheci Cecília cedo, aos 14 anos e foi na mesma época em que me encantei por Vinícius de Moraes, Castro Alves, Carlos Drummond, Álvares de Azevedo, dentre tantos outros. Cecília se destacou e lembro de ter comprado o livro “Mar absoluto, Retrato Natural” ainda muito jovem, já com a necessidade de ter um registro de meus poemas favoritos onde pudesse buscar alento. Não o fiz tanto quanto imaginava e me arrependo. Por isso quando essa antologia caiu em minhas mãos, não tive dúvidas de que teria de lê-la. Muitas das poesias eu já conhecia, mas adorei reler e relembrar. Gostei ainda mais quando soube que esta foi a única coletânea de Cecília cujos textos foram escolhidos pela própria autora. Desta forma, não há como discutir a ótima seleção de seus trabalhos que desfilam uma linguagem musical, com temas abrangentes e diversos. Poderia destacar muitos favoritos, mas acredito ser mais fácil citar os únicos que menos me encantam, que é o caso do registro histórico de seu consagrado ‘Romanceiro da Inconfidência’. Apesar de ser um texto extremamente valoroso e cultural, não toca o meu coração como muitos outros, dentre eles Elegia, que acredito ser um dos mais lindos textos da autora. Também destaco Sugestão, Explicação, e Canção Excêntrica do qual gostaria de compartilhar um trecho:
“Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida”.
Não sejas o de hoje. Não suspires por ontens… não queiras ser o de amanhã. Faze-te sem limites no tempo. Vê a tua vida em todas as origens. Em todas as existências. Em todas as mortes. E sabes que serás assim para sempre. Não queiras marcar a tua passagem. Ela prossegue: É a passagem que se continua. É a tua eternidade. És tu”
Isto é a vida; atravessa-se o mundo trabalhando duramente, construindo a verdade, distribuindo ternura, inventando beleza, e ninguém que está perto repara”.
Pergunto-te onde se acha a minha vida. Em que dia fui eu. Que hora existiu formada de uma verdade minha bem possuída
Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.
E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida por esperanças hereditárias? E de cada pergunta minha vai nascendo a sombra imensa que envolve a posição dos olhos de quem pensa.
Já não sei mais a diferença de ti, de mim, da coisa perguntada, do silêncio da coisa irrespondida”.
O Livro da Solidão por Cecília Meireles
EmReleituras
Os senhores todos conhecem a pergunta famosa universalmente repetida: “Que livro escolheria para levar consigo, se tivesse de partir para uma ilha deserta…?”
Vêm os que acreditam em exemplos célebres e dizem naturalmente: “Uma história de Napoleão.” Mas uma ilha deserta nem sempre é um exílio… Pode ser um passatempo…
Os que nunca tiveram tempo para fazer leituras grandes, pensam em obras de muitos volumes. É certo que numa ilha deserta é preciso encher o tempo… E lembram-se das Vidas de Plutarco, dos Ensaios de Montaigne, ou, se são mais cientistas que filósofos, da obra completa de Pasteur. Se são uma boa mescla de vida e sonho, pensam em toda a produção de Goethe, de Dostoievski, de Ibsen. Ou na Bíblia. Ou nas Mil e uma noites.
Pois eu creio que todos esses livros, embora esplêndidos, acabariam fatigando; e, se Deus me concedesse a mercê de morar numa ilha deserta (deserta, mas com relativo conforto, está claro — poltronas, chá, luz elétrica, ar condicionado) o que levava comigo era um Dicionário. Dicionário de qualquer língua, até com algumas folhas soltas; mas um Dicionário.
Plantaremos estes arbustos
que darão flor apenas
daqui a três anos.
Plantaremos estas árvores
que darão fruto um dia,
mas só depois de dez anos.
Não plantaremos jardins de amor,
porque imediatamente
abrem tristeza e saudade.
Não plantaremos lembranças
porque estão desde já e para sempre
carregadas de lágrimas”