Resenha: Memórias Inventadas

Livro: Memórias Inventadas: as infâncias de Manoel de Barros.
Autor(a): Manoel de Barros
Editora:
 Planeta do Brasil
Páginas: 160

Nota: 5
(sendo: 1- Não gostei 2- Gostei pouco; 3- Gostei; 4- Gostei bastante; 5Adorei)

Lindo e encantador!
“Tudo que não invento é falso”.

Este livro é todo beleza e poesia: a escolha do papel para impressão, a capa, as iluminuras do interior feitas pela filha do autor, Martha Barros, e que são encantadoras entre as belíssimas palavras de seu pai, enfim, todos os detalhes mostram o amor pelas palavras e o cuidado em publicar com qualidade.

O livro começa com a explicação do autor de que não era uma criança peralta:

“Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba, mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão”.

E desde que a palavra solidão foi escrita nesta primeira explicação, não largou mais as palavras de Manoel e acompanhou-o em todas as demais páginas deste livro, que em minha opnião é de uma sensibilidade incrível e emocionante. São inúmeras lembranças infantis que muitos de nós compartilhamos (alguns não, principalmente nos dias de hoje) e que nos aproxima do autor. A maneira gostosa com que Manoel de Barros brinca com as palavras, encanta e admira. Foram inúmeras as citações que separei para guardar, mas de todas esta foi a que mais me emocionou:

“Agente só descobre isso depois de grande(…). Que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor”.

Leitura super recomendada!

Despropósitos

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento
e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos 

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira

No escrever o menino viu que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde
botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos”. 

Manoel de Barros in O Menino que Carregava Água na Peneira.